sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Histórias p/ criança não dormir.#1

#Dias melhores não existem.


Eu, pobre de mim. Sinto-me tão sozinho agora que conversaria com aquele vira lata que eu chutei ontem. A vida não é fácil quando se tem tudo e de uma hora pra outra não se tem mais nada, eu não queria ser um pobre coitado... Mas a verdade é que eu sou um.

Acordei ensopado de suor em uma noite de Março de 1964 eu sonhava com a guerra.
Eu estava lá com aquela tropa e não sabia se ia voltar, eu tinha medo.
Na verdade eu não sabia ao certo os motivos daquela guerra, eu só estava lá defendendo o meu país, e se eu quisesse me informar de alguma coisa isso me custaria umas boas punições.
O nosso treinamento era bem longe da realidade que estava por vir, eu tenho que confessar que havia certas horas que eu não sabia o que fazer.
Antes do nosso primeiro ataque ainda me lembro de alguns soldados falando:

_ Atire nos de olhos puxados, cabelo liso e de pele escura.

_George são só japoneses morenos, só isso.

_Japoneses? Eles são vietnamitas seu burro.

_ Dá no mesmo, nós vamos matá-los não é? Então dá no mesmo.

O clima era quente, eu me sentia sufocado naquele lugar sujo.
Havia muitos mosquitos, a comida não era das melhores.
Eu queria voltar pra casa, nunca havia sentido tantas saudades dos meus pais, do meu cachorro e daquela menina que me esperava.
Ela era loira, os cabelos não muito longos e cacheados. Ela era filha do Will o fazendeiro, eles plantavam morango e por suposto ela tinha o cheiro daquela fruta.
Um dia antes de eu deixar minha casa rumo à guerra ela me entregou uma foto, era ela com aquele vestido branco de renda que eu adorava, eu coloquei a foto no bolso e dei nosso primeiro e último beijo.

Atrás da foto estava escrito:

Me leve junto ao seu coração.

Eu ficarei esperando a sua volta, com amor Lyla.

Quando eu começava a esquecer o seu rosto eu começava a entrar em desespero e pegava aquela foto e ficava olhando por horas.
A verdade é que aquela foto não iria conseguir me salvar daquele terror.


Já se passavam das 14h e o batalhão ainda estava caminhando por entre aquela mata, todos estavam famintos e cansados. A nossa missão era chegar a uma aldeia e prender alguns vietnamitas e é claro matar a maioria, não havia restrições sobre matar mulheres e crianças.
Eu não tinha idéia do estava por vir, eu nunca havia matado ninguém, isso ainda não era tão fixo na minha cabeça.

Eram tantos gritos, nosso batalhão colocou fogo em tudo.Pelas estradas de barro eu podia observar as mulheres correndo com várias crianças, muitas delas eram acertadas pelas costas e poucas conseguiram fugir.

Eu fiquei parado, eu não sabia o que fazer. Eles diziam:

_ Vai John!!! O que você está fazendo cara!? Atira!!!!

_Você vai morrer John!

Assim que um tiro acertou de raspão meu braço eu acordei, eu comecei a correr na direção contrária.
Eu ia correndo de encontro à estrada de barro, “eu ia ser morto, eu ia ser morto”, Eu só pensava nisso.
Eu dei de cara com uma menininha, ela estava nua e ela gritava sem parar.
Eu não pensei, eu só fiz. Eu a agarrei e corri em direção a floresta. Eu não entendia nada do que ela estava gritando, coloquei-a debaixo de uma árvore não muito longe dali, fiz um sinal para que ela ficasse em silêncio e então eu corri de novo.

Um soldado me pegou pelo braço e me disse:

_ Pega nessa arma e atira! Se você não atirar eu vou te matar, eu juro!

Eu comecei a atirar nos nossos supostos inimigos, eu mirava e atirava de olhos fechados.
Na verdade foi um milagre eu ter sobrevivido a aquele conflito...
Nos havíamos destruído toda a aldeia, ao longe eu podia ver alguma pessoas correndo, mas o que havia ficado ali estava morto e destruído.

Enquanto todos estavam destraídos recolhendo comida e algumas armas eu fui ao encontro daquela menininha.
De longe eu podia ver que ela não se mexia mais, sua cabeça estava destroçada por um tiro.
Eu fiquei ali chorando com ela nos meus braços, desde aquele dia minha vida ficou como aquela aldeia em chamas.
Eu dormi ao lado daquele corpo, eu não queria mais voltar pra casa e nem sair debaixo daquela árvore.

No dia seguinte a tropa vizinha me encontrou, eu estava tendo alucinações.
Eles me levaram a força e eu fui mandado de volta para minha casa...não era saudável tem um soldado maluco na tropa.
Meus pais me submeteram a vários tratamentos, mas de nada adiantou.
Eu tinha e ainda tenho pesadelos daquele dia, em alguns eu consigo salvar aquela menininha e outros ela acaba morrendo como naquele dia.

Lyla tinha medo de mim, chegou até a pedir que eu devolvesse a sua fotografia.
Eu era um peso na minha casa, eu não estudava, não trabalhava e não falava com ninguém e então eu decidi partir.
Eu sai de casa depois do almoço e ninguém percebeu, eu fui morar na rua.
Agora eu estou numa praça, algumas pessoas me dão comida, mas a maioria delas tem medo de mim.As vezes eu escuto: “Aquele ali era o filho dos Echelon’s, o pobrezinho endoidou.”

É na verdade eu nem sei como eu consegui escrever tudo isso aqui em um caderno velho que eu achei, talvez eu nem seja tão louco assim, sabe como eu sei disso?
Porque eu me considero um louco, e o verdadeiro louco nem ao menos percebe que é um.

4 comentários:

Comentador Fiel disse...

"Dias melhores não existem."

a verdade nua e crua.

ps: muitos soldados "adotaram" as crianças cujo os pais eles mataram. Um jeito de deixar a culpa mais leve.

Daniel Seixas disse...

Guerras são muito tensas.
Por isso é doidera colocar o Mccain na presidencia. O cara foi torturado! Deve ter altos traumas e doideras.

Mas de volta as guerras, o pior é que os soldados as vezes nem tem muita culta da matança toda. Naquela adrenalina toda você faz qualquer coisa sem perceber. Os principais culpados mesmo são as pessoas que começam a guerra.

PV Mendes disse...

Estamos inseridos em um sistema onde esses eventos são combustíveis para a "evolução".

Fabi disse...

amay, simplesmente.

V A L E N T I N A.

V A L E N T I N A.